Tuesday, April 12, 2005

 

Tico e o caso que não venta

Tico. É o meu nome. Começa com “t” e termina com “o”. O “o” pode ser de ovo frito, afinal é assim que me sinto em função de todo esse calor que tem feito. Sou detetive particular. Meu escritório fica na Taquara, num sobrado onde só sobrou a mim. A última pessoa foi embora hoje. Pela janela, mediante a batida na porta de um cobrador. Comigo é diferente. Nunca um cobrador bate na minha porta, já que a mesma foi levada como promissória de uma dívida minha feita pelos idos da Copa de 86. Fora isso, tenho tudo que um detetive precisa. Menos clientes. Também pudera. Estive sumido por uns tempos. Estava amando. Meus cobradores é que não amaram a idéia. Mas eu me entreguei. A ela, não a eles. Ela era uma dançarina performática francesa. Embora tivesse nascido mesmo em Minas Gerais. Um dia ela se levantou da nossa cama e disse que ia embora em busca de sua carreira. Horas depois estava presa com três papelotes de cocaína como flagrante. Agora estou de volta. Ainda deprimido confesso. Se eu sou um ovo frito, meu coração está como uma gema mole e a separação não se faz clara pra mim. Que fritada!
Foi quando eu estava percebendo que desta vez o vazio dentro de mim não era fome, que ela adentrou o meu escritório. Por motivos óbvios, não bateu na porta. Sua beleza era quase um alívio para minha melancolia. Sua pele era clara como uma reflexão. Seus cabelos, negros como um dia triste. Os seios eram como pequeninas e inocentes lágrimas. O colo era ideal para afogar minha cabeça em prantos. E suava, como suava. Enfim, tudo que eu precisava. Mas o trabalho vinha antes.
- Posso lhe ser útil? – perguntei fazendo figa para que a resposta fosse positiva.
- Você é detetive? – quando ela abriu a boca eu me senti um rato sendo puxado pela melodia da flauta encantada.
- Entre outras coisas.
- Ah é? Como o quê?
- Melhor mudarmos de assunto. O que trouxe você até aqui?
- Preciso que você investigue um furto.
- Por que não a polícia militar ou civil?
- É uma peça de valor inestimável para mim.
- Uma jóia, umas ações, o primeiro pandeiro do Mussum...
- Um ventilador.
- Já tentou as Casas Bahia?
- Você não entende. Ganhei este ventilador de um grande amor. Ele comprou para mim em Muriqui. Tem muito pernilongo na região. É a única lembrança que eu tenho dele.
- Ele morreu?
- Não. Casou-se com outra. O ventilador é tudo que eu guardo deste grande amor. Não sei se você entende disso.
- Melhor mudarmos de assunto. Você tem algum suspeito?
- O Ferreirão. Um bombeiro da minha rua que faz tudo para ganhar minha atenção. Eu acho que ele acreditava que dando o sumiço no ventilador ia me fazer esquecer esse grande amor.
Disse a ela que não precisava mais se preocupar. Se alguém iria dar uma lição neste Ferreirão este alguém era eu. Só preciso repetir isto para mim mesmo mais umas 67 vezes. Levei a mão até o bolso para puxar um cigarro, mas lembrei que não fumo mais. Há 8 anos. Para não fazer feio diante da moça, puxei o papel de “Compro Ouro” que estava no meu bolso e comecei a mascá-lo. Gosto de fazer um charme. Embora quando eu tenha dito isto para um entregador aqui da região, ele me devolveu que prefere um funk. Pedi um adiantado para ela. Pelo menos o da Kombi. Era hora de começar a trabalhar. Mesmo que, devido ao meu relógio ter parado há dois presidentes atrás, eu não faço a mínima idéia da hora.
Ferreirão chegava do trabalho às 18:30. Para ele não suspeitar que estava à sua espreita, peguei um palito no chão e me disfarcei de pessoa que acabara de chupar um picolé naquela esquina. Chegou sem uniforme e parou num botequim onde pediu uma cachaça e uma ficha de sinuca. Como só sobraram umas moedas de troco da Kombi, pedi uma paçoca. O balconista fez cara feia quando afirmei que só queria aquilo e nada mais. Não fui feliz. A paçoca não era de confiança. Caiu como o soco de um karateca na barriga. Passei a suar e não era de calor. Era um suor frio. Uma vontade enorme de ir ao sanitário foi tomando conta de mim. E era a opção número dois. Corri para o daquele botequim. Nem o papel higiênico rosa me levou a repensar a idéia. Aquilo era preciso e ponto final. Quando saí, três quilos mais magros, Ferreirão não estava mais por lá. Tive que percorrer todos os outros botecos. Hora para saber do Ferreirão, hora para saber do sanitário. Gastei dois reais e oito quilos ao longo da noite. Quando acabei estava exausto e chorava só de ver papel higiênico rosa. Como não agüentava andar e estava assado, peguei carona no carrinho do catador de lata. E pedi para ele pisar fundo.No dia seguinte, minha contratante estava na porta do escritório. Seus olhos ainda eram de doce lamento. Os meus eram puras olheiras. Trazia um ventilador na mão. Me explicou o que havia acontecido. Ao sair de meu escritório conheceu um novo amor. Ele não só deu um pau no Ferreirão assim que ele saiu da sinuca, como foi até a casa dele e retomou o ventilador. Agora ela não precisava mais daquele ventilador. Ganhara um ar-condicionado do seu novo amor que por acaso era um sargento da Polícia Militar existencialista. Era tão existencialista que nunca se matou. Só os outros. Gostava de existir. O ventilador ela me deu. Achara minha sala muito quente. Depois partiu. Tico. É o meu nome. Começa com “t” e termina com “o”. Já não estou tão sozinho. Agora os cobradores ficam dentro da sala esperando alguma posição. E eu pelo menos tenho um ventinho no suvaco.
Comments: Post a Comment

<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?